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Pai Velho

Quem é este Pai Velho? Uma espécie de despedida do Inverno e o acolhimento à Primavera que está a chegar? Recordação das festas dos "loucos medievais", colocando um ponto final ao tempo de excessos que precedem a Quarta - Feira de cinzas? O rito da fecundidade estimulado por uma nova seiva que vai surgir após as longas noites do solstício do Inverno?
 
O cerimonial mantém-se quase com os mesmos ingredientes medievos que encontramos na "Vaca das Cordas", ou na "Procissão do Corpo de Deus", em Monção com a tradição do Boi Bento, do Carro das Ervas, do Dragão e do S. Jorge, ou na Senhora D'Agonia com os seus Gigantones e Cabeçudos. Cumpre-se a tradição em Terras do Lindoso, sempre na época do Entrudo, nos lugares de Castelo e de Parada. Em dias de Domingo Gordo e Terça - feira de Carnaval.

Em frente aos espigueiros e à eira comunitária, tendo como cenário o Castelo Medievo, o busto de madeira do Pai Velho transportado num carro de bois, seguido de outro carro de bois, Carro das Ervas, engalanados, com a chiadeira habitual, tilintando de campainhas e com as cangas ornamentadas de monelhas, ramos de flores em cada chifre; à frente a lavradeira, camponesa rústica qual loura Ceres ( Deusa da Fecundidade), bem ourada com os cordões das avós; atrás as rusgas de concertinas, bombos, ferrinhos e castanholas e a que não faltam as máscaras dos mais foliões, os "varredouros" - normalmente de chapéus de palha e face tapadas com panos esburacados, munidos de vassouras de varrer o forno... eis os cortejos de Domingo Gordo no lugar do Castelo, depois da missa e, da parte de tarde, no lugar de Parada, com idêntico cerimonial.

Tudo se esconde até terça - feira de carnaval onde idênticos cortejos se realizam ainda com festa mais rija, para terminar depois dos bailaricos, com a entrada de um novo cortejo, com uma dúzia de vultos de branco vestidos, cada um com uma vela acesa e uma cruz á vanguarda, iniciando-se todo um coro de gemidos e berraria, gritando: "Adeus Pai Velho - eras um bom Pai".

Segue-se o enterro do Pai Velho, cerca da Meia-noite, altura em que se atinge o clímax do ritual coletivo concretizado na queima do boneco de palha e a leitura do seu testamento. Pai Velho que não dispensa o "seu" ritual gastronómico em dia de Domingo Gordo.

E são os rapazes e raparigas que cantam os Reis que tem a obrigação da ceia composta pelo tradicional cozido onde não faltam a orelheira, salpicão de fumeiro, tracanaz de presunto (e o que lhe davam mais), os chispes (unhas de porco) e o focinho do reco.

Se lhe acrescentarmos umas boas costelas Barrosãs e um pé descalço, mais umas chouriças de cabaço, ai temos o cozido do Lindoso em honra do Pai Velho: duas travessas fumegantes a rescender a sabores de salgadeira, da vezeira e do quinteiro: a das carnes; outra com batatas, cenoura e couve-galega; o alguidar tortulho com arroz branco e rodelas de chouriça, paio e salpicão, tudo acompanhado de um verde tinto a deixar nas malgas vidradas uma velatura de musselina rósea.

E as grâ - mestras da cozinha do Lindoso a dizerem-me prazenteiras e sorridentes: bom proveito, que lh'apreste. Cá fora, no terreiro do Castelo as concertinas e as vozes diziam:

"O Carnaval de Lindoso
É o melhor do concelho
Todos gostamos de ver
O enterro do Pai Velho"
Ass: Gracinda de Amorim

"Lindoso terra bonita
Onde se colhe bom pão
Festejam o Carnaval
Que não acabe a tradição!
Pai Velho não Morras!"


Fonte: Francisco José Torres Sampaio.